domingo, 4 de dezembro de 2016

Pai Joaquim de Angola


"Mas que nego é esse, que vem chegando agora?
É Pai Joaquim, que vem lá de Angola!"

O Pai Joaquim deste Templo de Umbanda, nasceu na Senzala de Pernambuco, no ano de 1623. Foi um dos primeiros escravos a nascer em solo brasileiro e recebeu o nome de Joaquim José (em homenagem ao avô e ao pai de Jesus - que ele nem sabia quem era). Conheceu um dos primeiros líderes do Quilombo dos Palmares: Ganga Zumba, que morreu envenenado por seus opositores quilombolas. Em seguida, assumiu Zumbi, que se tornou um dos líderes mais conhecidos, porque não aceitava negociações com o governo. Palmares foi praticamente destruída em 1694. Zumbi dos Palmares foi morto degolado em 20 de novembro de 1695 por bandeirantes. (Atualmente comemora-se o Dia da Consciência Negra nessa data.)
Pai Joaquim, por viver nessa região, presenciou todos os massacres, tentou fugir algumas vezes e foi apanhado. Era amigo de Zumbi e admirava-o. Levou muitas chibatadas amarrado ao tronco. Quando não aguentou mais apanhar, desistiu de fugir. A pedido de sua mãe: "Nhá Ana" se conformou e aceitou seu jugo de escravo. Disse-lhe ela: "Meu filho, prefiro-o vivo perto de mim, do que morto e longe". Então ele ficou. Acabou morrendo antes da mãe e de seu amigo Zumbi, de febre e inflamação nos pulmões, no ano de 1687. Nhá Ana morreu em seguida, aos 96 anos.
Pai Joaquim disse que os negros que sobreviviam aos porões dos navios e às chibatas, tornavam-se fortes e resistentes e por isso viviam muito. Os Senhores Feudais os alimentavam de sobras dos animais (patas, orelhas, tripas, etc), mas eram justamente as partes com maior quantidade de proteínas. Eles também sabiam curar suas feridas com ervas e unguentos diversos. Nhá Ana tornou-se babá dos sinhozinhos da fazenda e era respeitada por eles. Joaquim conformou-se em ficar, tornou-se um líder dentro da fazenda, dirigindo os demais escravos e até ajudando-os a fugir para o Quilombo.
Quando morreu, estava em paz consigo e com sua consciência e tornou-se um mensageiro espiritual dos irmãos africanos. Atuou nas senzalas do Brasil junto ao povo de descendência yorubá (Jêje, Nagô, Ketu e Angola), aconselhando os escravos a não usarem seus conhecimentos ancestrais para a magia negra e para a vingança. Hoje atua na Umbanda servindo como "Guia Espiritual" na Falange dos pretos-velhos de Angola, porque sua mãe foi trazida para o Brasil da região do Congo-Angola na África.

Pai Cipriano das Almas


O feiticeiro do terreiro!

Esse mestiço africano, nasceu no Brasil Colônia, do amor entre um escravo e uma sinhazinha. Sua mãe o entregou aos cuidados de seu pai assim que ele nasceu e foi criado por sua avó paterna. Nunca descobriram de quem ele era filho, por isso seu pai nunca pagou por esse crime de amor. Tudo foi feito no mais absoluto sigilo pelos administradores da fazenda, enquanto os pais da moça viajavam pela Europa. Ao retornarem, nada desconfiaram e como a sinhazinha estava prometida em casamento, todo o restante foi realizado conforme combinado. A moça mudou-se para a Europa e nunca mais retornou ao Brasil, provavelmente para não ver seu próprio filho entregue à escravidão. O menino, de olhos verdes, recebeu o nome de Etelvino e cresceu em meio aos seus irmãos de descendência africana; mas conviveu com os sinhozinhos da fazenda, por ser um menino inteligente e perspicaz. Aprendeu os costumes de uns e de outros.
Ao crescer, descobriu sua origem verdadeira e revoltou-se; quis vingança. Seu pai o aconselhou, mas de nada adiantou. Usou conhecimentos ancestrais de sua linhagem paterna e seus dons para a mandinga em magia negra. Era exímio no que fazia. Sabia curar, mas também sabia a arte de matar. Conhecia tudo o que se podia conhecer sobre a magia, dos negros e dos brancos. E seus dons científicos de outras vidas lhe davam conhecimento suficiente sobre qualquer tema. Queria ter sido criado entre os brancos, não entendia a discriminação. Revoltou-se mais ainda ao descobrir quem era sua mãe de verdade e porque ela o abandonou... Tornou-se um carrasco sem leis para os brancos e para os negros. Aos inimigos de sua causa dedicava especial atenção; aos amigos causava temor. Viveu assim quase toda a sua vida. Desposou três negras da senzala que lhe serviam com fidelidade. Teve sete filhos e os ensinou a magia, a artimanha e a fugir... Não queria filhos escravos.
Etelvino viveu na região "das Minas Gerais" (em Ouro Preto) até os 98 anos. Ao final de sua vida fez amizade com um Frei Capuchinho (Lázaro), amigo de José de Anchieta e devoto de Nossa Senhora. Esse frei lhe falou de Jesus, Maria, São Lázaro e da conversão de Cipriano. Achou a história de Cipriano muito parecida com a sua (claro, sem a escravidão). Também sentiu que Jesus parecia o Orixá Oxalá e que Maria paracia sua Mãe Iemanjá. Em São Lázaro sentiu a afinidade com Obaluaiê, seu Orixá protetor. E decidiu, por fim, deixou a magia negra de lado e começou a praticar a cura, a oração e o benzimento. Fez isso a partir dos 70 anos até morrer.
Nunca conheceu sua mãe biológica. Mas teve em seu pai e sua avó todo o amor necessário para evoluir. Deixou a revolta de lado e pediu perdão aos deuses africanos e aos deuses católicos. Quando desencarnou, foi recolhido em Aruanda e convidado a trabalhar na Falange dos pretos-velhos como "Pai Cipriano". Seria reponsável por recolher todas as almas dos escravos revoltados e feiticeiros como ele. Após recolhidos, devia aconselhá-los e encaminhá-los. Assim o fez. Hoje, trabalha com amor e dedicação. Compreendeu que perante Deus (Olorum - Zambi) todos somos irmãos e que, para evoluir, precisamos aceitar nossas dívidas de vidas passadas.
 

Vovó Cambinda


De Aruanda, de Angola, das Almas, da Guiné... de todos os lugares!

Uma entidade que conversa bastante, com voz calma e mansa, caminha bem arcada e lentamente, apresenta-se em trajes humildes e dá bronca como toda boa velha Iyabá - esta é Vó Cambinda de todas as nações! Gosta de puxar a orelha de seus filhos! Enxerga muito pouco e obriga o médium a piscar várias vezes na consulta. Ri muito, faz seu fumego e gosta de contar "causos" do tempo da escravidão. Conhece muita coisa da vida!
Vovó Cambinda trabalha em diversas falanges, com diversas denominações. Cada uma possui suas particularidades e suas histórias, mas todas possuem, em comum, os trejeitos e as manias que definiram muito bem seu aspecto e sua apresentação nas Tendas de Umbanda. Ela é especialista em solucionar problemas de ordem pessoal, com conselhos que caem como uma luva em seus filhos! Ela é uma entidade que não deixou de ser "babá" de seus sinhozinhos e da molecada da senzala.
Cambinda representa esse apanhado de negras que trabalharam nas Casas de Engenho cuidando da gurizada e da comida que era servida ao senhores feudais. Sábias, recatadas, zelosas, amororosas, pacenciosas e abnegadas. Sem mágoas em seu coração. Sempre aconselharam o amor ao próximo.
Quem possui em sua Tenda uma "Vó Cambinda" zele dela com amor e respeito, porque ela trabalha com dedicação, mas é exigente com seus filhos. Ela é "nega de uma palavra só e quando diz que não quer mais e não faz, nega véia não faz!" - palavras de Vovó Cambinda.

"Cambinda mamãe ê, Cambinda mamãe a...
Cambinda mamãe ê, Cambinda mamãe a...
Segura essa filha que eu quero ver...
Filha de Umbanda não tem querer!"
 

Vovó Maria Conga e Pai José de Angola


"Vó Maria, cadê Pai José? Está na roça colhendo café...
Diga a ele que quando vier suba a escada e não bata com o pé."

Essa negra nasceu em 1728 na África, na região do Congo. Foi trazida ao Brasil ainda menina, retirada cedo de sua tribo. Não sabia nada da vida e do mundo lá fora. Foi vendida no Mercado de Negros do Rio de Janeiro para uma Fazenda de Café em Minas Gerais, quase divisa com o estado de São Paulo. Nunca mais viu ou ouviu falar de sua família. Foi separada deles na hora da captura.
Obrigou-se a aprender a língua dos brancos e a esquecer os costumes de sua terra... Era calada e arredia. Foi adotada pelo amor de uma negra da senzala que também perdeu seus filhos para o homem branco e teve amor e piedade pela negrinha. Ela deu-lhe o nome de Maria, pois sabia da história da mãe de Jesus e como ela sofreu por ter sido separada do filho. Ninguém nunca soube seu nome na África - Maria nunca contou.
Dez anos após sua chegada ao Brasil já entendia mais da vida dos negros escravos da senzala e da vida dos brancos nas fazendas. Compreendeu o que era a escravidão. Tornou-se uma moça bonita e prendada. Recebia olhares dos capatazes e dos homens brancos. Estava com 17 anos. Decidiu que não queria essa vida e pensou em uma maneira de escapar... Conheceu José, moço forte e destemido e tramaram a fuga. Em uma noite encontraram-se com outros negros e fugiram, mas foram capturados, castigados, separados e vendidos. Maria foi para outra fazenda, no estado de Sergipe. E José foi levado ao Rio Grande do Sul. Pensaram que nunca mais se encontrariam e juraram que um dia tentariam ficar juntos de novo.
Passaram-se vinte anos e Maria era agora casada com um dos capatazes da fazenda. Tinha 4 filhos: 3 homens e 1 menina. Nessa fazenda, pelo menos, os escravos eram tratados com menos dureza. Maria apaziguou seu coração e seguiu trabalhando com amor e dedicação. Tornou-se a cozinheira da fazenda e ganhou a confiança dos donos. Lembrava-se de José, mas não o viu mais e não sabia de seu paradeiro.
No sul, José foi trabalhar em uma fazenda de gado leiteiro... Era uma região diferente. Havia o frio e os costumes eram outros. Tentou se acostumar, mas não conseguiu. Sempre pensou em fugir. Lembrava de Maria. Após 10 anos de duros trabalhos, José enfim conseguiu escapar e iniciou sua jornada em busca de sua amada. Passou de fazenda em fazenda e foi seguindo em direção ao nordeste brasileiro... Quando estava quase desistindo de sua busca ouviu falar de uma negra bonita que cozinhava para uma fazenda nos arredores de Pernambuco.
Quando, enfim, encontrou a fazenda onde Maria estava, viu-a casada e com filhos. Entristeceu-se. Nem se dera conta que haviam se passados vinte anos! Foi viver como homem de escolta e jagunço na cidade de Maceió, em Alagoas. Teve muitas mulheres, mas com nenhuma se casou. Era um negro bonito, porém solitário. Com o dinheiro que ganhou, comprou um pedaço de terra com dois amigos mestiços. Eles plantavam e criavam alguns animais. Cada qual em seu pedaço de terra construiu uma casa. Os outros eram casados, mas José vivia sozinho.
Um dia, a fazenda onde Maria trabalhava foi vendida e todos os negros foram alforriados. Ela estava viúva e seus filhos haviam conseguido emprego em Maceió. A cidade estava crescendo e aceitava negros para trabalhar. Ela foi morar com um dos filhos.
Quis o destino que José e Maria se reencontrassem em uma feira de produtos na cidade. Os dois a princípio se esbarraram e não se reconheceram, mas em seguida se olharam e sentiram que o destino os havia reunido novamente.
Maria e José se casaram e ela foi viver com ele em seu sítio. Viveram ainda 50 anos juntos. Durante a noite conversavam na varanda da casa. Descobriram que suas tribos eram vizinhas na África e que o dialeto que falavam era similar. Perceberam que estiveram próximos muitas vezes...
Enquanto viveram juntos preocuparam-se em ajudar as crianças sofridas e perdidas pela escravidão. Também acolhiam em suas terras negros feridos e mal alimentados. Davam abrigo e os ajudavam a se recuperar. Por esses atos de amor eram muitas vezes ameaçados pelos fazendeiros da redondeza, mas como tinham a carta de alforria e a proteção de alguns brancos, não sofriam maiores danos.
Assim, eles cumpriram uma missão de vida no Brasil que deu sentido ao fato de terem sido retirados de sua terra africana. Hoje, esses dois falangeiros abnegados são gentis e amorosos com as crianças e com todos que os procuram. Possuem sua história de vida como exemplo para relatar.

A missão dos baianos na Umbanda


"Salve o Grande Cruzeiro da Bahia, Meu Pai!
E salve o Nosso Senhor do Bonfim!"

Os portugueses adentraram o Brasil pelas terras da Bahia, na época denominada de Ilha de Vera Cruz. Pensaram que aqui fosse uma ilha e somente depois viram a imensidão deste território. Na época, entraram no Brasil todos os excluídos de Portugal e da Europa, para trabalhar e começar sua vida. Depois vieram os negros, que após índios, também foram escravizados. E assim, o Brasil cresceu cheio de misturas. Os baianos representam essa miscelânea de conhecimentos e a miscigenação das raças. Eles podem atuar em qualquer Linha: de Oxalá, das Águas, de Ogun, de Xangô, de Oxóssi, de Nanã ou das Almas.
O Baiano é aquela entidade que traz alegria para o terreiro e descarrega as cargas negativas e pesadas de um trabalho. Costuma-se dizer que todo Baiano é mandigueiro! Pois o Baiano sabe desenrolar-se de qualquer situação. No começo da difusão da Umbanda houve um pouco de preconceito com essas entidades, pelo fato delas representarem o principal elo de ligação com a Santeria Iorubana. A Santeria era muito confundida com o Candomblé e o Tambor de Mina. Hoje, sabe-se que todas são religiões distintas, onde cada uma possui seu próprio ritual e características bem definidas.
O Baiano, também é uma entidade que possui ligação direta com Ifá (sincretizado com a Santíssima Trindade e Dono do Jogo de Búzios). Por isso, muitos médiuns que trabalham com os baianos sentem-se afinizados com o búzio e seus mistérios. Outra prática do baiano é o Jogo da Capoeira (chamado assim, porque a capoeira, quando surgiu, não era usada como luta ou defesa, apenas como jogo de roda entre os escravos). Trabalhar com um "Baiano" é trabalhar com um pedaço da história do Brasil!

Pai João do Toco


O Preto-Velho das Almas!

Nascido na Fazenda Boa Esperança no norte de Minas Gerais, Pai João tornou-se conhecido durante o Ciclo do Ouro por habitar uma Fazenda Fantasma, onde ninguém queria morar. Nascido em 1730, foi escravo durante a metade de sua vida. A Fazenda onde ele trabalhava foi vendida e seus novos donos não queriam escravos. Alforriaram todos e contrataram aqueles que quisessem permanecer ganhando uma moeda e comida. Quem tinha família permaneceu na fazenda... Como ele nada tinha, resolveu partir, mas não tinha lugar onde morar. Então lembrou-se de uma fazenda abandonada na cidade vizinha e resolver ir para lá. Tinha ouvido muitas histórias a respeito do lugar e ninguém se aventurava por aquelas terras, pois eram habitadas por fantasmas de escravos enraivecidos e mineradores perdidos.
Ao chegar na fazenda descobriu o que estava acontecendo com os espíritos e resolveu apaziguá-los. Conversou e estabeleceu uma trégua com eles. Assim, pode estabelecer sua morada e viver em paz. Sua avó, por parte de mãe, havia lhe dado esse dom, que veio de seus ancestrais africanos: o de falar com os mortos. E ele ainda sabia benzer e curar. Durante o restante de sua vida tornou-se morador efetivo da fazendo e ninguém nunca lhe perturbou, pois os vivos (proprietários da fazenda) moravam em Portugal e os mortos lhe respeitavam.
Nunca casou ou teve filhos. Morou sozinho a vida toda, mas era visitado constantemente por aqueles que queriam soluções para os mais variados problemas. Ninguém na cidade lhe perturbava por conhecer sua fama. Assim, viveu em paz o restante de sua existência. E quando desencarnou passou a trabalhar auxiliando os irmãos menos esclarecidos. Um século depois tornou-se um dos trabalhadores da Umbanda, no Reino de Aruanda, onde passou a servir com dedicação e amor. Como gostava de sentar num toco em frente a sua cabana, para conversar, ficou conhecido como Pai João do Toco.

Baiano Tomás


Um Baiano que veio de Moçambique, mas era Português...

Kimojo-Ntoto nasceu na Ilha de Moçambique, no ano de 1583. Ele foi trazido ao Brasil ainda moleque, com 7 anos de idade. Os portugueses colonizaram Moçambique, assim como colonizaram o Brasil e Kimojo falava perfeitamente o português e seu idioma suaili. Quando os portugueses desembarcavam em Moçambique para fazer a coleta de mercadorias e o recolhimento do ouro, Ntoto os auxiliou no carregamento dos produtos.
Um dos portugueses gostou do menino e passou a chamá-lo de Tomás, em homenagem ao santo de sua devoção. Esse português, Dom Ignácio Boaventura, convidou o menino para acompanhá-lo em suas viagens marítimas. Conversou com a mãe do menino e conseguiu sua autorização. Assim, começou a história de Tomás, cheia de diferentes acontecimentos e aventuras!
Embarcaram em Moçambique com destino à Índia. Foram atacados por piratas próximo ao Porto da Somália, onde tiveram que permanecer alguns dias até se restabelecer. Na Índia, andaram por vários lugares em busca de iguarias. E depois foram ao Brasil, onde desembarcaram na Bahia de todos os Santos. Tomás estava encantado com tudo o que via e admirava-se cada vez mais com a vastidão do mundo. Ele e Ignácio ficaram muito apegados e trocavam conhecimentos de suas tradições. Ambos passaram a viver como pai e filho.
Tomás viajou para muitos lugares com Dom Ignácio. Conheceu Portugal e toda a Europa e tornou-se uma pessoa culta. Quando estava com 15 anos, Tomás retornou a Moçambique e convidou sua mãe para viajar com ele, mas ele tinha irmãos e a mãe não queria deixá-los. Ele também não queria ficar em Moçambique. Foi a última vez que viu sua mãe. Depois disso estabeleceu-se no Brasil e se tornou o braço direito de Ignácio na adminstração do comércio de ouro, pau-brasil e outros produtos.
Aos 22 anos Tomás conheceu Sueria, que era uma escrava de origem banto e tinha 18 anos. Pediu a Ignácio que a comprasse e a alforiasse para que eles pudessem se casar. Tomás e Sueria viveram bem até 1625, quando Ignácio veio falecer e eles foram "confiscados" pelo Governo de Portugal como parte das posses dos herdeiros. Tornaram-se escravos da coroa, juntamente com seu 3 filhos. Foram separados e vendidos. Tomás tentou fugir diversas vezes, mas foi morto no tronco, no local onde hoje fica o Pelourinho. Sueria morreu 2 anos depois de tristeza. Os filhos de Tomás e Sueria foram vendidos para fazendas diferentes no estado das Minas Gerais.
Esse baiano de fala mansa, tranquilo e jeito filosófico, gosta de dar conselhos e ensinar. Possui o dom de penetrar a aura das pessoas e de entender seus sentimentos. Sempre aconselha o crescimento espiritual, o estudo e a compreensão. Tomás é um trabalhador amoroso da Umbanda Sagrada!

Baiano Zé do Cacau


Um pioneiro da Capoeira.

José Carlos nasceu no Maranhão, numa das fazendas de cacau da região, no ano de 1830. Sua mãe foi traficada junto com outros negros de Papua, Nova Guiné. Durante a viagem, ela se relacionou com um nativo de uma tribo vizinha e engravidou. Ao chegar ao Brasil eles foram vendidos separadamente e nunca mais se viram. Quando José Carlos nasceu, o Maranhão passava por uma crise econômica e muitas fazendas estavam modificando sua estrutura. Alguns fazendeiros estavam investindo em seringais na Amazônia e enviando seus escravos para trabalhar na colheita da borracha. A mãe de José Carlos foi enviada a um desses seringais e José Carlos foi separado dela, sendo vendido para um coronel do cacau, no sul da Bahia.
José Carlos tinha doze anos na época em que foi separado de sua mãe e isso abriu uma ferida grande em seu peito. Ele já tinha entendido o que era a escravidão e o que significava ser negro no Brasil. O coronel que o comprou era reformista e adepto das leis que regiam a libertação dos escravos. Reuniu todos os escravos e falou que lhes daria a carta de alforria, mas que em troca precisava que eles continuassem trabalhando em suas terras e que lhes daria alimentação, moradia e uma moeda pelo trabalho realizado. José Carlos gostou dessa proposta e permaneceu nessa fazenda por quase toda a sua vida. O Coronel chamava-se Juvenal Teixeira e era respeitado pelos negros da região por ser um simpatizante da Lei Áurea.
José Carlos adaptou-se rapidamente a sua nova vida, mas sentia falta de sua mãe. Com 20 anos era um negro forte e grande, que jogava capoeira e trabalhava muito bem. Ele era um dos melhores coletores de cacau da região e assim o apelidaram de Zé do Cacau. Ele guardava todo o seu rendimento e quando juntou uma boa quantia pediu ao coronel se poderia comprar sua mãe e alforriá-la, trazendo-a para viver junto dele. O coronel aceitou a oferta de Zé do Cacau, pois gostava do trabalho dele e tinha apreço por ele. Viajou até o Maranhão e falou com o antigo dono de José Carlos e de sua mãe, fazendo a proposta de comprar a negra. Mas, quando voltou a sua fazenda, chegou só e foi com muita tristeza que José Carlos soube que sua mãe morreu por causa da malária.
A vida prosseguia e ele precisava viver. Juntou-se com uma negra da fazenda de nome Nhá Bela. Tiveram 4 filhos, todos alforriados. Com o tempo, Zé do Cacau comprou um pedacinho de terra e começou a plantar seu próprio cacau. Ele plantava outras frutas também e assim conseguia viver bem com sua família. Quando assinaram a Lei Áurea, Zé do Cacau deu abrigo a muitos negros que ficaram sem ter onde viver. Construiu um galpão onde abrigou muitas famílias e ensinou-os a trabalhar e a sobreviver. Ele tornou-se um Mestre da Capoeira e passou a cultura de sua terra e tudo o que aprendeu com sua mãe aos demais negros. O Coronel Juvenal já havia desencarnado e sua fazenda foi dividida entre os filhos. Os demais coronéis da região ainda queriam manter os escravos trabalhando em condições desumanas, mesmo após a assinatura da Lei Áurea. Mas, com a ajuda de Zé do Cacau, muitos negros se refizeram. Isso fez com que ele adquirisse muitos inimigos entre os poderosos da região. Um dia, os jagunços se reuniram e fizeram uma emboscada, matando Zé do Cacau. Os coronéis imaginavam enfraquecer o movimento dos negros com a morte de Zé do Cacau. Mas, isso fortaleceu ainda mais os negros, que se reuniaram e começaram a aprender capoeira para se defender, criando grupos e escolas. Eles também deram continuidade a luta de Zé do Cacau e suas terras continuaram a ser cultivadas.
Os negros eram boicotados no comércio de seus produtos, mesmo assim conseguiam sobreviver do que colhiam da terra. Nhá Bela e seus filhos temiam novas represálias, então, mudaram-se para o Rio de Janeiro, deixando as terras da Bahia para os negros da região. Foram morar no morro começando, assim, um movimento que dura até hoje... Surgiram, então, as favelas, com muitos negros se agrupando para sobreviver e para se fortalecer. Nhá Bela casou-se novamente e teve mais dois filhos. As ideias de Zé do Cacau permaneceram com seus amigos e filhos e eles levaram a força da capoeira aonde foram, recebendo apoio de alguns jovens da elite social e enfraquecendo o coronelismo. O Brasil começava a mudar e Zé do Cacau contribuiu nessa mudança.

Pai Francisco das Matas e Vovó Catarina do Congo


O casal mais formoso do sertão nordestino.

Pai Francico nasceu numa fazenda do Maranhão; era casado com Vó Catarina, uma negra bonita que veio do Congo, na África. Eles tiveram nove filhos, três foram mortos pela escravidão, dois mortos no parto e os outros vendidos pelo mundo. Era ainda o século XIX e a escravidão judiava negros e índios. Só os brancos tinham vez. Pai Francisco, como era conhecido, gostava de fazer suas rezas, seus benzimentos e suas orações. Assim, auxiliava a todos que precisavam de ajuda na senzala. Trabalhava na lavoura de cana-de-açúcar e iguarias para tempero. Vó Catarina ajudava nos afazeres da fazenda e cuidava dos sinhozinhos. Apesar da tristeza da perda dos filhos, os dois eram felizes juntos.
Vó Catarina era assim chamada, porque ajudou a trazer ao mundo muitas crianças. Ela e Pai Francisco sempre socorriam os escravos das chibatadas e dos maus tratos. Davam guarida, apoio e alimento. Vó Catarina adoeceu muito depois que a escravidão levou seu último filho. Por mais que se esforçasse, a dor foi tomando conta e ela morreu de tristeza. Pai Francisco já não era tão jovem e, quando saiu a Lei Áurea, ele ficou sozinho e sem lugar para morar. Então começou a peregrinar pelo sertão nordestino.
Carregava consigo uma matula de carne seca com farofa, uma moringa com água e um cobertor. Cobria sua cabeça com um pano e fumava seu pito enquanto caminhava. Costumava cantarolar canções da senzala pelo caminho. Ele viveu mais vinte anos andando pelos caminhos do sertão. E com o tempo ficou conhecido como o "Velho do Caminho". As pessoas lhe davam pouso, água e comida e em troca ele curava os enfermos do local. Quando faleceu, estava descansando embaixo de uma árvore e ouviu Vó Catarina o chamando - seu tempo na Terra havia acabado.

 

Pai Jacó do Cruzeiro


O coveiro dos escravos.

O nego Jacó viveu muitos anos e viu muitas coisas nessa terra de Deus. Nasceu em 1768 numa das tribos de Angola e foi trazido para o Brasil ainda moleque. Foi comercializado no mercado de escravos de Salvador, mas foi comprado por um senhor feudal de Minas Gerais. Demorou para aprender a língua dos homens brancos, pois ficava o tempo todo calado. Ele era de origem banto e falava o kimbundo. No começo acharam que ele era mudo, até que o amor de uma negra, que havia perdido seu filho, o adotou. Ela o acolheu e o ensinou sobre as coisas da escravidão e da vida em terra de gente branca.
Ele demorou para entender e aceitar tanta barbaridade. Ficava calado, apenas observando e fazendo o que lhe mandavam. Sempre que alguém morria por causa dos mau tratos, ele ia até o corpo, rezava em sua língua nativa, passava ervas cheirosas no corpo do falecido e depois pedia ao capataz para sepultá-lo. No começo, estranharam esse seu gesto, mas com o tempo, começaram a lhe pedir para fazer isso, cada vez que alguém morria. Os próprios capatazes poupavam seu serviço de enterrar os mortos, deixando esse trabalho por conta de Jacó.
Esse nome, Jacó, ele recebeu porque ficava calado olhando para o alto, para o céu, para as estrelas, como o Jacó da Bíblia ao avistar a escada sagrada. Seus pais haviam lhe dado o nome de Ngala (que significa Alegria em sua língua nativa), pois ele era uma criança alegre, antes de ser escravizado. E assim Jacó viveu toda a sua vida de escravidão: sepultando os mortos. Nunca se casou, nunca se envolveu com ninguém. Ofereceu sua vida a cuidar dos outros. Nunca foi para o tronco, pois nunca desafiou uma ordem sequer. Viveu calado, sempre observando...
Quando assinaram a Lei Áurea para  a libertação dos escravos, Pai Jacó estava com 120 anos e ainda vivia. Era cuidado por um casal de amigos da senzala. Estava quase cego e surdo, não falava, só gesticulava. Assim que recebeu sua carta de alforria, pegou um punhado de ervas, se lavou, vestiu sua roupa mais limpa e se deitou. Colocou a carta embaixo do travesseiro e fechou os olhos, dando seu último suspiro. Nego Jacó estava livre afinal e podia partir...
 

Pai Benedito do Roseiral


O Jardineiro de Aruanda.

Essa é uma história longa, por isso demorei para publicar essa postagem. Ela será contada em partes, para uma melhor compreensão.

Primeira Parte
Em 1768 um navio aportou no Rio de Janeiro trazendo mais uma encomenda de escravos para o comércio. Dentre eles encontrava-se um jovem de pele bem escura e dentes muito brancos. Ficava o tempo todo calado, com os punhos cerrados e aguardando uma oportunidade para fugir. Por isso, quando ele desembarcou, seus pés e mãos estavam bem acorrentados, tinha a boca amordaçada e uma coleira de ferro prendia seu pescoço. Olhava a todos com muito ódio e era possível sentir sua raiva cada vez que um homem branco o tocava. Durante a viagem recebeu o apelido de carvão, por ser muito negro.
Ele foi comprado por um fazendeiro, produtor de cana-de-açúcar, café e algodão. Esse senhor possuía fazendas no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás. "Carvão" foi levado para a fazenda do interior de São Paulo, onde mudaram seu apelido para "Café" - cultura que estava começando a proliferar no Brasil. Com o tempo, Café já era um líder entre os demais negros da senzala e tramava uma rebelião. Os capatazes ficavam sempre de olho em suas atitudes, porque sabiam de sua força de persuasão junto aos demais escravos.
Café conseguiu realizar sua primeira fuga, com mais dez negros, doze dias depois de estar na fazenda. Mesmo sem falar o português, conseguiu se fazer entender em sua língua nativa através de sinais. Eles conseguiram ficar dois dias escondidos nas matas, mas foram capturados, pois ainda não conheciam perfeitamente a região. Dois negros foram para o tronco, por liderarem a fuga: Café e outro, chamado Juventino. Permaneceram 48 horas amarrados, sem água ou comida, mas a revolta deles os manteve firmes.
Dessa vez Café mudou sua estratégia, decidiu se aproximar de todos: brancos e negros, aprender seus costumes, ganhar a confiança e esperar uma nova oportunidade. Passou, então, um ano. Todos haviam esquecido a fuga e pensaram que Café  havia se acostumado à nova vida. Porém, um dia, ele conseguiu capturar todos os capatazes e abriu todas as senzalas. Mais de duzentos negros empreenderam fuga! Eles se deslocaram para os Quilombos de Parateca e Pau d'Arco, onde iniciaram uma nova vida. Durante anos os negros fugidos foram procurados, mas a região era de difícl acesso e isso permitiu a criação de vários Quilombos.
Café tornou-se um Líder em seu Quilombo e com o tempo decidiu libertar outros negros de outras fazendas. Então, a cada seis meses, ele empreendia uma jornada, passando por várias fazendas e facilitando a fuga de muitos escravos. Com o tempo, muitos senhores feudais e capatazes começaram a se armar e preparar uma emboscada para aniquilar o escravo que estava provocando tudo isso. Em um dia, dez anos depois de sua chegada ao Brasil, Café foi traído por um dos escravos e capturado. Enquanto era levado para o tronco, conseguiu roubar um punhal de um dos algozes e feriu mortalmente o capataz. Os demais jagunços atiraram contra ele , que morreu ali mesmo. Aqui termina uma parte de sua história, mas ele me permitiu contar toda ela, então...

Segunda parte
Pela revolta que carregava e pela forma como morreu, Café caiu no Umbral. Seu corpo sentiu o impacto das rochas cortantes e escorregou para dentro de uma poça de lama. Alguns espíritos o cercaram e o chamaram de assassino. Mas ele revidou e disse: "Eu sou um mártir! Salvei muitos negros!" E os espíritos responderam: "Isso não exime a sua culpa, pois você falhou no mandamento que diz: Não Matarás!" Café havia ouvido falar dos mandamentos, da Bíblia, do Deus dos Católicos, pois na época do Quilombo eles foram visitados por alguns profetas do sertão e por alguns freis, que pregavam o perdão e o amor ao próximo.
Café ficou quinze anos no Umbral, porque não conseguia perdoar o homem branco e nem esquecer o que passou em seu pouco tempo de escravidão. Um dia, cansado de tanto sofrer, ele lembrou da história de um Beato negro, que estava para ser santificado. O nome dele era Benedito e diziam que ele era muito bom e fiel a Deus. Então, Café começou a rezar em sua língia nativa, chamou por Oxalá e pediu se aquele "Santo Negro" podia tirá-lo dali. De repente, uma luz o envolveu e ele acordou em outro lugar... Parecia que estava em uma epécie de Quilombo, só que maior, mais limpo e mais brilhante. Um senhor negro de olhos cor de mel o observava e sorria. E lhe perguntou: "- Então, meu filho, acordou?" A pergunta tinha duas conotações. Quem conversava com ele era "Pai Benedito de Aruanda" e lhe perguntou: "- Sua revolta passou, meu filho? Está pronto para saber a verdade, trabalhar e evoluir?" Café respondeu que sim com a cabeça. E Pai Benedito lhe disse: "Então, por hora, descanse."
Após uma semana, Café já estava melhor e começou a andar pelo local. Percebeu um jardim de rosas próximas dali e ficou encantado. Foi até o roseiral e começou a cavocar a terra, mexer nas roseiras e brincar com as borboletas e pássaros. Todas as manhãs, ele se levantava, se asseava, bebia seu caldo quente energizante e ia até o roseiral. Assim, passou dois anos. Um dia, Pai Bendito lhe disse: "- Agora você precisa evoluir. Me acompanhe." Café acompanhou o velho que começou a andar para fora do local. Então, ao observar melhor, percebeu uma cidade, com muitas construções, diversos bosques e outras vilas. Café nem sabia que era assim fora do vilarejo. Então, Pai Benedito lhe disse:"- Essa é Aruanda, meu filho. A morada de todos aqueles que querem trabalhar e evoluir."

Terceira parte
Café acompanhou Pai Benedito e chegou a um local enorme, cheio de construções, com pessoas entrando e saindo. Eles se dirigiram a uma sala, que possuía na porta uma placa, onde estava escrito: Orientador. Entraram, sentaram-se em frente a um senhor que parecia uma mistura de médico e índio. Ele se apresentou: "Muito prazer, aqui sou conhecido por Caboclo Cobra Coral, ou simplesmente, Dr. Luiz. Depois lhe contarei minha história. Mas, nesse momento, você precisa recordar sua trajetória na terra e escolher seu trabalho." Dr. Luiz apontou uma parede branca na sala onde apareceram imagens de um tempo distante... "Nas terras do Egito, um Faraó aniquilava todos os que se oposussem a ele. Ele era cruel e déspota. A tela se fechou e abriu-se novamente. Depois disso ele teve duas encarnações como líder de tribos africanas, onde praticou boas ações. E a terceira onde foi levado ao Brasil e vendido como escravo." Quando as telas se fecharam, Dr. Luiz lhe perguntou: "- Entendeu por que tudo isso lhe aconteceu?" Diante da afirmativa de Café, Dr. Luiz continuou:
"- Temos uma missão para você. Gostaríamos que você iniciasse sua jornada evolutiva como espírito mesmo, em solo brasileiro, trabalhando para o surgimento de uma nova religião. Como você ainda possui uma dívida de morte na sua última encarnação, gostaríamos que você trabalhasse como guardião ou, como dizem na África: Exu. Você protegerá todas as pessoas que trabalham na religião dos seus ancestrais e atenderá onde mais for solicitado. Você será um "Exu Sete Porteiras", pois poderá ir a qualquer lugar. Como Exu você terá a Lei da Dualidade, mas use-a com sabedoria, porque uma nova queda impedirá seu retorno para essa Colônia. Entendido?" Café confirmou e abaixou a cabeça. Iniciou, assim, uma nova etapa em sua vida espiritual.

Quarta parte
O Senhor Exu Sete Porteiras trabalhou durante cem anos como guardião de muitos,  de todas as raças e credos. Conseguiu cumprir sua missão com dignidade, lembrando-se sempre do que havia assistido sobre suas vidas anteriores. Um dia, foi designado para defender um Terreiro de Umbanda, a nova religião do Brasil. Ao chegar ao local, deparou-se com o capataz que ele tirou a vida como escravo... Sentiu um nó na garganta, pois agora ele trabalhava como Chefe do Terreiro e, "Café" como Exu, deveria serví-lo. Mas, ele queria evoluir e aproximando-se do médium pediu perdão e caiu de joelhos. Sentiu que o médium lhe dizia em pensamento: "- Já está perdoado!"
E assim, O Senhor Exu Sete Porteiras o serviu até o final de sua vida terrena. Quando o médium desencarnou, eles se encontraram em Aruanda e se abraçaram. Eles se reconheceram de todas as vidas: no Egito, na África, no Brasil... Sempre disputando poder e liderança. Mas, dessa vez haviam superado tudo isso.
Os dois foram chamados a sala do Orientador: "- Dessa vez tenho outra missão para vocês. Um de vocês reencarnará e prosseguirá com a missão de médium e Chefe de Terreiro, o outro permanecerá um tempo estagiando e estudando aqui na Colônia. Vocês dois serão instruídos por um tempo e depois se separarão. Aquele que ficar aqui será o Guia Espiritual e o outro será o médium."

Quinta parte - final dessa história, mas recomeço de outra...
Os dois espíritos estudaram por dez anos na Colônia de Aruanda, na Escola de Preparação de Médiuns e Mensageiros Espirituais. Depois, o antigo capataz seguiu para a Sala de Reencarnação e Café permaneceu na Colônia. Voltou a Vila dos Pretos-Velhos e cuidou de seus afazeres antigos: as roseiras. Ele reencontrou Pai Benedito de Aruanda que lhe instruiu e falou:"- Agora você inicia uma nova etapa. Seu nome será Benedito, por conta Daquele que o salvou do Umbral. Será chamado de "Pai" para honrar nosso compromisso com o Cristo Celestial, nosso Pai Maior. E receberá um segundo nome: do Roseiral, porque as rosas lhe ajudaram a evoluir." Assim surgiu Pai Bendito do Roseiral.
Pai Bendito de Aruanda (ou agora "Vô" Benedito - por ser o mais velho em hierarquia) seria seu instrutor e professor. Juntos começaram a visitar muitos lugares na Terra: Templos, Tendas, Terreiros, Roças, Igrejas, etc. E o aluno foi aprendendo com o professor a incoporar e a entender como trabalhar sua nova missão. Depois de alguns anos, ele adentrou no Terreiro daquele que seria seu assisitido e se aproximou para a primeira incorporação. Sentiu-se como uma criança que renasce na Terra e percebeu que havia quitado suas dívidas. Viu em pé ao lado do médium o Caboclo Cobra Coral, como Mentor Espiritual da casa. No altar percebeu imagens de Santos Católicos, de negros, índios, crianças e outros.
Então, Café cantou seu ponto: "Pai Bendito é preto, Saluba! E mora no Roseiral... É preto porque veio da África, para combater o mal."  Agora os dois podiam evoluir como irmãos. Cobra Coral lhe sorriu e disse em pensamento: "- Até que enfim meus dois filhos voltaram a viver como irmãos!"

Baiana Nhá Ana


A mucama mais jeitosa!

Ana Cecília era uma mucama que trabalhava na casa de uma família importante do Recôncavo Baiano. A família possuía propriedades na cidade de Cachoeira e São Félix, mas a casa principal ficava em Salvador. Eles eram uma família de portugueses, que se mudaram para o Brasil no final do século XIX. Ana começou a trabalhar com eles ainda criança, quando a mãe era a babá dos sinhozinhos. Ela auxiliava a cozinheira e a arrumadeira da casa. Como Ana era calada e jeitosa com as coisas se tornou a mucama das senhoras da casa.
Em Salvador, Ana gostava de participar das festividades de Nosso Senhor do Bonfim e sempre pedia permissão aos patrões para ir à Igreja. Sua vida era assim: simples e tranquila. Até o dia em que defendeu suas senhoras de um grupo de ladrões... Elas estavam saindo da Igreja e desciam tranquilamente a rua calçada em direção a casa. Os assaltantes pediram os pertences das senhoras e apontaram as pexeiras. Ana assustou-se e atirou-se a frente das madames. Ela foi apunhalada pelos agressores, que fugiram em seguida. Como Ana gostava muito da família com quem trabalhava, não queria que nenhum mal lhes acontecesse.
As mulheres se desesperaram, pediram ajuda e Ana foi socorrida, mas não resistiu. Ela morreu ao chegar ao Hospital da Capital. Assim, a Baiana Ana findou uma etapa de uma uma vida simples, mas honrada. Quando acordou em Aruanda, estava feliz, pois cumpriu sua missão de vida. Ela foi convidada a atuar na Umbanda como uma baiana que trabalha na Linha de Nosso Senhor de Bonfim.

Vovó Francisca da Guiné


A curandeira do Kilombo!

Ela nasceu próximo a Buba, na Guiné-Bissau da África, um território sob o domínio português, no século XVIII. Foi trazida ao Brasil junto com sua família, ainda criança. No Porto do Rio de Janeiro, foi vendida com  sua mãe e os quatro irmãos para uma fazenda ao norte da região de Goiás. Ela estava assustada, não entendia nada do que estava acontecendo. Quando chegaram à Fazenda, seus irmãos foram separados e enviados às diferentes áreas para trabalhar na lavoura. Ela e a mãe ficaram na propriedade principal, para trabalhar na casa dos patrões.
Quando chegou à Sede da Fazenda, seus olhos se fixaram em uma imagem sobre o portal da casa. Perguntou para a mãe quem era aquele homem, mas ela não sabia. A imagem era de São Francisco de Assis, pois esse era o nome da Fazenda. Ela achou a imagem parecida com um dos Deuses Africanos e isso aliviou seu coração. Com o tempo ela e a mãe estavam adaptadas a rotina da fazenda. Uma vez por mês podiam ver os irmãos pois, apesar de ser uma época de escravidão, a esposa do Senhorio da fazenda era uma pessoa boa que tratava os escravos com dignidade. Ela mantinha uma escola na fazenda e ensinava todas as crianças a ler e a escrever.
Com o tempo, Francisca, como passou a ser chamada por gostar tanto da imagem do santo, tornou-se uma moça prendada que fazia com prazer todos os serviços da casa. Ela assumiu a faxina e a cozinha e passou a cuidar dos sinhozinhos que nasciam. Ela mesma casou-se com um negro da fazenda de nome Tomaz. Tiveram 3 filhos e viviam na vila de casas da fazenda. Seus irmãos também haviam se casado e moravam na mesma vila.
O século XIX estava iniciando e, apesar da escravidão, tinham uma vida calma na Fazenda São Francisco. Mas, essa tranquilidade não durou para sempre, pois haviam muitas disputas entre abulocionistas e escravocratas. O proprietário da fazenda faleceu e sua esposa, que estava idosa, não conseguiu evitar um ataque. Seus filhos e netos reuniram pessoas para lutar, mas muitos perderam a vida nessa disputa. Alguns negros assutados fugiram para os Kilombos. Francisca não queria abandonar a patroa que havia lhe tratado tão bem. Sua mãe já havia falecido e dois de seus irmãos morreram na luta. A própria patroa lhe aconselhou a fugir para o Kilombo, reunindo os demais negros, pois os outros fazendeiros não descansariam enquanto não acabassem com a vila da fazenda.
Francisca deixou a fazenda com seu esposo e outros negros e foram em direção ao Kilombo das Matas, no extremo norte de Goiás. Enquanto eles fugiam passaram por muitos perigos, mas conseguiram chegar ao Kilombo. A partir desse momento uma nova vida iniciou para eles. Francisca começou a conhecer melhor a história da escravidão no Brasil, através dos negros fugidos que chegavam ao Kilombo. Também começou uma nova etapa de sua jornada terrena. Ela começou, juntamente com seu esposo, a se dedicar a todos que precisassem de atendimento, oração e auxílio. Aos poucos foi benzendo e curando as crianças e idosos, depois todos começaram a pedir sua ajuda.
O tempo passou e Francisca tornou-se conhecida como Vó Francisca. Seu esposo Tomaz havia falecido e seus filhos já estavam adultos e casados. No Kilombo todos ouviram falar de uma Lei que libertaria os escravos, mas ainda não sabiam se era verdade. Francisca morreu sem saber que a Lei Áurea havia sido assinada. Ela descansou ao lado do esposo, no cemitério do Kilombo.

Vovô e Vovó Arruda


Um casal de curandeiros do Brasil Central.

Esse negro, que já nasceu escravo em uma fazenda de Goiás, viveu no século XVIII. Conheceu sua esposa na mesma fazenda. Trabalhavam com o cultivo de café, cana-de-açúcar, batata doce, milho e ervas para temperos. João das Plantas e Maria das Flores (como eram conhecidos), sabiam como ninguém o cultivo da terra. E assim viviam os dias, sem olhar o passado ou o futuro, vivendo apenas o presente. Casaram jovens e tiveram apenas dois filhos, pois Maria teve complicações no segundo parto. Ela aprendeu a benzer e a curar aconselhada por sua avó, pois assim salvaria a vida da criança e a sua. João sabia as rezas de seus ancestrais.
Os dois sempre eram procurados pelos demais escravos por seus conhecimentos de plantas medicinais e orações de cura. Os anos passaram e eles chegaram na velhice unidos e tranquilos. Tinham uma pequena casinha numa área da fazenda destinada aos escravos e lá plantavam diversas plantas para tempero, ornamento e cura. Mas, a planta que mais crescia na frente da casinha modesta era a arruda, sempre viçosa e cheirosa. Todos aqueles que se aproximavam podiam sentir o cheiro dessa planta e já se sentiam melhores. Quando a arruda florecia quase toda a fazenda era tomada pelo seu cheiro. E assim, João e Maria passaram a ser chamados de Vovô e Vovó Arruda.
Vovô João Arruda viveu até os 110 anos e recebeu sua carta de alforria pouco antes de falecer. Vovó Maria Arruda viveu até os 89 anos, pois seus problemas de saúde agravaram-se com a idade. Os dois ajudaram muitos negros e muitos brancos a vencer as doenças da carne e do espírito. Os brancos os procuravam escondidos na calada da noite por medo e preconceito, mas depois de muitas curas, eles passaram a ser queridos e respeitados por todos os moradores da redondeza.
 
"Saravá Vovô Arruda, que com dificuldade caminha...
Alivia minha dor e me ensina o caminho,
que leva até Jesus, para eu encontrar a luz."
 
"Saravá Vovó Arruda, Saravá Vovó Arruda,
Vem benzer essa criança,
Pois preciso de sua ajuda...
Saravá Vovó Arruda, Saravá Vovó Arruda,
Me ensine a benzer, assim como você."

 

Pai Tomé das Almas


Um preto velho firme e decidido.

Quando eu conversei pela primeira vez com um Pai Tomé incorporado, percebi um preto-velho desconfiado e ranzinza, quase briguento. Enquanto você não conversa com ele e não o conhece direito é assim que você o descreve... E eu pensei: igualzinho ao "São Tomé da Bíblia" (eu conhecia a história bíblica de São Tomé e eu sabia que Tomé era o discípulo que pediu para tocar as feridas de Jesus só para ter certeza de que Ele era mesmo o Mestre Ressuscitado). Então, procurei saber sua história de vida e o porquê desse preto-velho pertencer à Falange de São Tomé.
Sua história é diferente de outros negros de sua época. Ele viveu no século XIX, no estado do Rio de Janeiro, na cidade de Cabo Frio. Quando ele nasceu, seus pais ainda eram escravos, mas ele já nasceu pela Lei do Ventre Livre. Então foi afastado de seus pais e teve que mendigar desde cedo para sobreviver. Aprendeu a pescar e logo tornou-se mercador de peixes. Para se defender dos ataques dos brancos e dos negros mais abastados, ele aprendeu a lutar a capoeira e a usar o facão como arma. Mas Tomé era amaldiçoado; desde criança ouvia vozes, via almas de pessoas que já morreram e enxergava os dois mundos em constante contraste. Sua vida era um constante isolamento, por conta de seus fantasmas interiores.
Aos poucos muitos espíritos começaram a cercá-lo e a acompanhá-lo. A todo momento, onde quer que ele fosse, as almas estavam lá acompanhando-o, esperando-o e "azucrinando-o"... Chegou um momento que ele não mais aguentou e pensou em dar cabo da própria vida. Colocou seu facão próximo ao pescoço e ia degolar-se, quando um soldado de vestimentas reais parou em sua frente e gritou bem altou: "Patakori!" A sua armadura brilhou e ele disse: "- Como ousa, óh escravo, afrontar o teu Pai Ogun, que te tirou da senzala?! Afasta essa faca de ti e vai cumprir tua missão e salvar as almas que te procuram." E num brado bem alto, o cavaleiro sumiu: "- Jesse, Jesse!"
Tomé caiu por terra e chorou, pois percebeu que São Jorge viera salvá-lo de um ato insano. Voltou ao cais. Pescou seu peixe, assou, matou sua fome e dormiu. Ao amanhecer do dia, procurou uma casa abandonada a beira mar. Reformou a casa, consertou, ajeitou, limpou e fez o que fez. Por fim, foi para o mar e pescou quantos peixes conseguiu pescar. Vendeu todos no mercado. Com o dinheiro comprou uma imagem de Nosso Senhor do Bonfim e de Nossa Senhora dos Navegantes. Também comprou velas e roupas. E voltou para casa. Ajeitou tudo e colocou uma placa dizendo: "Oração e Benzeduras".
No outro dia, os primeiros raios de sol acolheram uma fila de dez pessoas, que já esperavam por atendimento. E assim foi que Tomé iniciou seu trabalho de benzedor. Ele trabalhou sem parar por setenta anos... Mas, não viveu só. Um dia, quando já faziam dez anos que Tomé trabalhava, entrou em seu casebre uma moça da Aldeia dos Pescadores, tão acanhada e com medo, que mal levantava a cabeça. Ela se chamava Rosa Maria e, por coincidência, possuía o mesmo dom que Tomé.
Tomé tratou dela, que passou a frequentar sua casa e auxiliá-lo nos atendimentos. Os dois se conheceram melhor e passaram a  viver juntos. Essa convivência durou sessenta anos. Cumpriram missão e auxiliaram muitas pessoas que necessitavam de ajuda. Bom, assim é o Pai Tomé: sempre alerta e desconfiado, até que conheça bem a intenção do coração do filho...
 

ORAÇÃO DO PAI JOSÉ DE ARUANDA.


Quando estava no cativeiro.

"Meu Pai Olorum, mais uma vez me puseram no tronco.
Amanheci acorrentado, amordaçado e nu... Não me deram comida ou água.
Estou enfraquecido, desanimado e sem entender porque fazem tanta crueldade com nosso povo.
Acredito que pago algum erro de minha vida passada; então, não posso reclamar...
Eu percebi que todos que são diferentes, sofrem essa perseguição e o castigo da escravidão.
É como se fossem inferiores ou devedores de alguma dívida impagável a essa gente branca.
Alguns conseguem fugir; mas, outros, têm a mesma sina que eu... E muitos: morrem!
Penso em desistir da vida, muitas vezes, mas isso seria um sacrilégio e eu não quero ofender Irokô.
Então, eu me conformo e procuro silenciar, na tentativa de sofrer menos.
Apenas observo e tento aprender a cultura deles, para ver se tenho maior aceitação e menos castigo.
Não quero esquecer quem eu sou, de onde eu vim e todos os costumes de meu povo; por isso, eu procuro relembrar a cada dia um pouco mais.
Eu sou diferente de todos. Eu sou um negro albino. Em minha tribo isso era chamado de criança de Iku ou criança amaldiçoada.
Nasci assim: não sou índio; não sou negro; não sou branco. Então não sei quem eu sou... mas eu existo e deve haver um propósito nisso tudo.
Quantas vezes eu tentei fugir e quantas vezes eu fui para o tronco já perdi as contas!
Mas, ainda não desisti... Dizem os brancos que nós somos persistentes em nossos objetivos.
Eu sou persistente quando quero alguma coisa e insisto até conseguir...
Mas, dessa vez, meu Pai Olorum, acho que chegou meu fim, pois sinto-me enfraquecido e combalido.
Meus irmãos de raça me descriminam pois sou diferente deles.
Os demais daqui me olham estranhamente, como se eu tivesse uma doença contagiosa.
Então, sinto-me solitário, abandonado e alquebrado.
Ainda não perdi minha fé, pois é a única coisa que me sustenta e que me segura firme na jornada.
Meus Deuses Africanos são a única coisa que tenho e o que me mantém vivo nessa prisão, de outras terras e de outros costumes.
Anoiteci aqui porque tentei fugir... Já está amanhecendo e alguém está vindo me soltar.
Jogaram em minhas feridas uma espécie de vinagre com salmora, para não infecioná-las...
Sinto muita dor e muita tristeza; ainda não me acostumei com essa vida.
Na senzala, uma negra chamada Nhá Benta me tratou e me cuidou.
Ela tem uma filha: Inaê Cambinda. Quero me casar com ela e por ela eu ficaria aqui...
Estou fraco demais e quase desmaiando, mas ainda vejo o olhar de Inaê: doce, meigo e puro.
Não sei se sobreviverei, ou se conseguirei aguentar mais um dia nesse lugar.
Não sei se sou digno de Ti, Senhor Supremo, ou de pedir-te proteção, mas dai-me uma nova vida e condições de refazer essa jornada terrena, pois preciso compreender porque me trouxestes até aqui.
Meu Pai Olorum finalizo lhe pedindo, que:
Quando me encontrares cansado, com o corpo curvado e pesado por causa da idade... Dai-me forças para seguir adiante e em frente, porque mesmo assim, pretendo servir-Te para sempre Meu Pai!"